Um dia perguntaste-me qual o meu poeta favorito, predilecto ou especial. Nesse dia te disse que não tinha, e se tinha o nome não sabia. Era verdade nessa altura, porque apesar de ler, fixar nomes não é comigo...já saber o teu é um feito.
Com isto quero dizer-te que gosto de alguns, é certo, apesar de não os ler muito. Gosto de José Régio, Almada Negreiros, entre outros, mas o tal que me diz algo mais que os outros é aquele senhor que está sentado numa cadeira perto do Camões, a aguardar pelo seu café...enquanto vai vendo quem passa...
Fernando Pessoa é o seu nome, e entre muitos outros aqui ficam dois dos seus inúmeros poemas.
A Criança Que Pensa Em Fadas
A CRIANÇA que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em algum ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.
Conta a lenda que dormia
Conta a lenda que dormia
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
à cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.